segunda-feira, 2 de março de 2009

(Uma banalidade que se transformou em sentimento, para a pessoa mais importante da minha vida.) *

Pássaros (de pelúcia) cantam em minha escrivaninha
A luz fluorescente me ilumina
Um sorriso que me encanta
Uma boneca que me diz incessantemente:
“Você é muito especial”
O Tim me fala em chocolate
Lembro de uma doce criatura
“não quero guaraná”
Só quero dizer o quanto a amo
Light... Poderia flutuar, fugir
Mas algo me prende:
“Eu a amo”
Seis letrinhas, que jamais me deixariam ir...
E Eu a amo!

*foi pra tia Zeneide, eu quase choro quando o mostrei:
- É lindo. Obrigada. Disse ela, e um sorriso pairava em seus lábios.

o.....Ooo

Estou vazia
O som ecoa dentro de mim
Estou vazia

Balanças ambulantes Michelly Matos

Não consigo entender a mentalidade de certas pessoas... Hoje em dia com a mídia nos alienando e a sociedade com o um todo afirmando que o ideal de beleza é uma mulher magra, não importa a cor (mas branca é preferível), cabelo liso, olhos claros, bumbum (preferência nacional) é fundamental, e na falta de seios, é bom juntar dinheiro para por uma prótese de silicone. Mas, já prestou atenção? Quando estamos, bem... - como posso dizer? - excesso de fofura, não falta quem nos aconselhe a começar um regime à base de alface e água, entrar numa academia, e, em último caso, tentar um spa ou a redução de estômago (que já está virando moda). Mas quando emagrecemos as mesmas pessoas aconselham um caldinho de mocotó que é “pra mode” dá sustança ! ou engordar mesmo!
Preocupadas com os quilinhos a mais, tomamos vergonha na cara e iniciamos uma dessas dietas da revista Malu. Você tenta se controlar, afinal se não é uma Angelina Jolie da vida, pelo menos (tenta) melhorar o que Deus te deu...
De repente todos começam a te oferecer tentaçõezinhas, todas com centenas de quilocalorias, usando o slogan: “ah, um só não faz mal!”. Você cai em si e vê que o mundo está rodeado de guloseimas e você não pode se deixar abater. Sua vida segue um triângulo: de casa para o trabalho, do trabalho para a academia, da academia para casa, durante três meses.
Eis que depois de tanto esforço, você conseguiu finalmente afinar a silhueta! Chegou a hora de mostrar para todos seu lindo corpinho moldado a duras penas! As pessoas olham espantadas. Oh! Você se delicia pensando: “Estou sendo a maior sensação! Estão de queixo caído! Morram de inveja, peruas!”.
Uma das “peruas” se aproxima com um sorriso nos lábios, você se prepara para receber o elogio, e, de repente, o balde de água fria:
- O que aconteceu querida? Você está tão magra! Está doente? Olha, eu sei uma receita infalível que levanta até defunto...
Doente! Todo aquele esforço: horas na academia, jejuns, festas dispensadas... E tudo que você recebe é : “está doente, querida?”! você sai de perto da bruaca com ódio... E nas suas costas ficam cochichando: “Acho que é câncer... Daqui a pouco ela começa a ficar careca!...”
Conclusão: pra quê se importar com a mídia?! Seus amigos gostam de você do jeito que é! Sem tirar nem pôr... Desista dessa vida de regime e exercício, não vale à pena... Bom e agora já vou indo porque está na hora da minha academia, né?!

Vida de ladrão

Hoje em dia está cada vez mais comum ser vítima de um roubo, furto ou acidente. Na verdade, até nos assustamos quando passamos pouco mais de um mês sem notícias de que algum vizinho ou parente foi assaltado... Os ladrões não são mais aqueles meliantes tidos como marginalizados pela sociedade. Pensando bem já fazem parte do nosso cotidiano.
Sei do caso de um amigo meu, Felipe Newton, que, depois de uito juntar dinheiro no seu cofrinho, foi comprar um boné que estava na moda – não vou falar a marca, este livro não é patrocinado! -. Entrou na loja todo descolado, fez o coitado do vendedor pôr abaixo todo o estoque de acessórios para a cabeça, muito embora já soubesse qual item queria. Comprou. Saiu da loja todo feliz, de boné novo, e – oba! – ainda tinha sobrado uma graninha pra bater perna no shopping. Quando dobra a esquina depara-se com um cara:
- Passa o boné, o celular (o pobre nem celular tinha!) e o dinheiro também! Felipe, que tem amor à vidinha dele, entregou o exigido sem hesitar. Após isso, o ladrão abriu um sorriso cordial, cumprimentou-o com um usual aperto de mão tipicamente jovem e falou:
- Valeu irmão! Qualquer dia eu te assalto de novo!
Então, pelo rumo que as coisas estão tomando, daqui uns dias estaremos até preparando lanchinho para a “viagem” pros caras! Já imagino a cena:
Uma dupla de ladrões invade uma casa durante a noite – se bem que o mundo anda tão desnorteado que está se tornando comum até assaltos durante o dia -, só há um jovem casal em casa. Enquanto o marido, muito gentil por sinal, vai abrir o cofre na biblioteca (por que eles sempre colocam na biblioteca? E atrás de um quadro, ainda por cima!), comenta:
- O senhor por acaso, seu ladrão, sem ofensas, viu aquela pouca vergonha da CPMF?
- Vi sim, doutor. P... que pariu! E eles ainda têm a cara-de-pau de dizer que o dinheiro é pra investir na saúde!
- Concordo plenamente. O Brasil já tem impostos demais!
- É por isso que gosto do meu trabalho! Não tem essa de pagar taxa pro governo. Aquele bando de ladrões! Se o senhor quiser arranjo uma sociedade pro doutor também. Diz o ladrão com um olhar cúmplice.
Enquanto isso na cozinha, o sócio já está sem jeito com a dona da casa, que está preparando petit gateau.
- Dona, eu fico muito agradecido, mas não precisa se incomodar. Fala o ladrão encabulado. “Coisa chata, ela é tão legal e eu roubando ela!”
- Não é incômodo nenhum, meu querido. Como é mesmo o seu nome?
- Posso dizer não, dona, desculpa, mas é da profissão...
- Oh, sim! Desculpa, peço eu. Como sou tonta! Mas como eu ia dizendo, adoro cozinhar...
Nisso entra o sócio com o dono da casa.
- Vocês nos dão licença que nós já estamos indo. Despede-se ele.
- Seus safados, insolentes, sem coração! Só saem depois de comer o petit gateau com sorvete de creme! Os ladrões se entreolham. Melhor comer pra não irritar tão gentil “anfitriã”, vai que ela resolve se vingar, matando-os com um rolo de macarrão!
Nem mastigam direito, mas acham o tal do “petí gatô” muito gostoso.
Os donos da casa vão deixar os “convidados” até a porta. A esposa ainda convida:
- Meninos, apareçam de novo, aí faço um filé ao molho madeira.
- Claro, pode deixar. E desculpa pelas jóias e pelo dinheiro. Diz meio sem jeito o cabeça da “organização”.
- Não. O que é isso? Da próxima vez eu faço um cheque, pra vocês não terem que carregarem coisas. Isso acaba com a coluna. E além do mais, eu sei o quanto é difícil o trabalho de vocês. Fala compreensivo o marido.
- Tchau, vocês. Na quarta a gente vem comer o rango!

Comunicação Luís Fernando Veríssimo

Casais com problemas de comunicação têm um antecedente antigo. Adão e Eva, segundo Genesis.
Pode-se imaginar o clima quando Adão acordou e levou dois sustos: estava sem uma costela e com uma mulher. Especula-se que os dois levaram dois dias para se falar. Para começar, não tinham sido formalmente apresentados. E que assunto poderiam ter, naquele primeiro encontro?
- Como foi seu dia?
- Nem me fale. Até a hora da sesta estava tudo normal. Depois eu sofri uma cirurgia e mudei de estado civil e a população da Terra duplicou, tudo em questão de horas.
- E eu? Há horas eu nem existia. Agora estou aqui, mulher feita, nua e falando aramaico.Minha tese é que Adão e Eva só se falaram no terceiro dia, e assim mesmo porque Adão foi levado por uma necessidade premente.
- Me coça atrás?
E Eva coçou suas costas, e Adão finalmente compreendeu os desígnios do Senhor ao criar a mulher. Embora nos anos que se seguiram não fossem poucas as vezes em que pensou em dizer a Deus que preferia sua costela de volta.
Quando passaram a ter assunto, Adão e Eva despertaram o ciúme de Deus.
Porque tinham uma coisa em comum da qual Deus não compartilhava: a humanidade, suas glórias e suas misérias. Os banhos de riacho e o medo do escuro, o cafuné e o furúnculo. E Deus providenciou o pecado para ter um motivo nobre para expulsá-los do Paraíso, já que não podia só alegar tagarelice. E quando a prole de Adão e Eva deu sinais de entendimento, pois falavam a mesma língua e celebravam a mesma humanidade, Deus decretou a destruição de Babel e a confusão das línguas. E assim duas vezes usou Deus o demônio para criar a desarmonia entre os homens. Primeiro na forma da Serpente. Depois na forma do Mau Tradutor.
Mas tudo que é humano quer se comunicar. Sem a mulher, Adão arranjaria outro jeito de coçar as costas. Talvez encontrasse até uma maneira de se reproduzir sozinho. Afinal, anos depois, um descendente seu inventou o xerox. Quando Deus lhe deu a mulher não lhe deu uma fêmea, uma companheira ou alguém para cuidar das suas camisas. Deu o que ele precisava para progredir, a precondição para o autoconhecimento e a razão, sem falar na literatura.
Um interlocutor.

Meu adorável vagabundo Luis Fernando Veríssimo

A gente ri da menina que, às vésperas do vestibular, não sabe se tenta letras, educação física ou oceanografia, sem descartar nutricionismo e um bom casamento, mas o fato é que todos nós passamos pelo mesmo tipo de indefinição, Eu, por exemplo, já quis ser aviador, tocador de pistom, arquiteto e, durante um bom período de pós-adolescência, vagabundo profissional, e só não consegui esta última vocação porque a família, por alguma razão, se opôs. Uma das coisas que eu nunca pensei ser foi jornalista.
Não posso imaginar qual seria o resultado se algum dia eu tivesse feito um teste vocacional.
– Temos aqui os resultados de seu teste e eles são interessantíssimos, sr. Veríssimo.
– Ah, é?
Finalmente a revelação. Eu mesmo ia descobrir para que servia.
– É a primeira vez que chegamos a um resultado assim desde que começamos a fazer testes. Deve ser a primeira vez em toda a história da psicologia, em todo o mundo.
– Não diga!
– O senhor é o primeiro caso conhecido de alguém que tem vocação para aposentado!
Aposentado é o vagabundo sem culpa e com renda. Embora, no Brasil, renda insuficiente.
O problema seria que eu precisaria ser aposentado de alguma profissão. Não há curso de aposentado. Como entrar em fila, como sentar em banco de praça, como não fazer nada e incomodar em casa. Pós-graduação em azucrinar empregada. Começando a vida como aposentado, eu, nem que fosse só pela juventude, seria um aposentado ativista. Seria imbatível em todos os jogos de aposentados que requeressem esforço físico.
Se bem que, com a minha vocação de aposentado realista, para que entrar em qualquer coisa que requeresse esforço físico? Não. Jogos de damas, longas sestas, muita leitura. Eu subiria lentamente na carreira de aposentado, ficando cada vez mais indolente, até chegar a hora de parar e pedir a aposentadoria, claro.
Não podendo seguir meu pendor natural para não fazer nada, acabei fazendo tudo. O sonho de ser aviador não sobreviveu à infância, mas cheguei a providenciar o começo de uma possível carreira como pistonista. Nos Estados Unidos, onde moramos uma certa época, procurei um curso de música que emprestava instrumentos. Não tinham pistom no momento. Peguei saxofone mesmo. Ainda toco, eventualmente, se bem que haja discussões sobre se “tocar” é o verbo exato – e ainda imagino que um dia possa me dedicar ao show bizz em tempo integral, se 72 anos não for muito tarde para começar. Geriatric rock, por que não?
Arquitetura, tradicionalmente, é a primeira escolha de quem sabe ter uma profissão séria, mas não tão séria assim. É a engenharia de quem não quer fazer engenharia, e o refúgio dos indecisos. Há provavelmente mais ex-estudantes de arquitetura fazendo outra coisa – normalmente nas artes – do que ex-estudantes de qualquer outro curso. Querer arquitetura, portanto, era querer fazer alguma coisa criativa, que até podia ser a arquitetura.
No meu caso não foi. Nem comecei nada. Parei de estudar e só quando entrei, quase por acaso, no jornalismo, muitos anos depois, numa época em que o diploma ainda não era obrigatório, descobri uma vocação ou pelo menos uma maneira de passar o tempo até a aposentadoria, quando finalmente poderei exercer minha aptidão natural. Não sou um exemplo muito edificante, eu sei. Só queria mostrar que a indecisão não é incomum, e não é tão grave. A vocação da pessoa pode, inclusive, ser a indecisão.
Luis Fernando Verissimo O Estado de São Paulo 11 de janeiro de 1990